Após um ano de estudo, procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) aprovaram um relatório, obtido com exclusividade pelo ‘Estado’, no qual afirmam que a prestação de serviços a aplicativos como Uber, Cabify, 99, Rapiddo e Loggi configura vínculo empregatício de motoristas e motoboys. O MPT planeja usar o documento para embasar ações coletivas contra as empresas na Justiça do Trabalho.

O relatório é fruto do “Grupo de Estudos Uber”, que reúne procuradores interessados no crescente número de ações contra a companhia americana. Apesar de ter sido elaborado antes da reforma trabalhista, o estudo levou em conta ações impetradas contra a empresa, símbolo da chamada “economia do compartilhamento”.

Segundo os procuradores, Uber e similares não são parte da economia do compartilhamento e precisam arcar com as responsabilidades trabalhistas como qualquer companhia. “O que o Uber e outras empresas fazem é controle por aplicativo, criando um grupo de falsos autônomos”, afirma Rodrigo Carelli, procurador do MPT. “É preciso uma mudança, senão a sociedade vai pagar a conta.”

Para chegar a essa conclusão, em pouco mais de um ano, 11 procuradores do MPT examinaram oito ações coletivas contra o Uber em seis países, como Estados Unidos, Espanha e Inglaterra. Além disso, estudaram quatro processos de motoristas brasileiros contra o Uber: em um deles, a Justiça reconheceu o vínculo empregatício, enquanto, nos outros três, a Justiça foi favorável ao Uber. Eles também estudaram uma ação movida por um motoboy contra o aplicativo de entregas Rapiddo, no qual a Justiça deu ganho de causa ao profissional.

Aprovado em junho, o relatório foi distribuído a um amplo grupo de promotores do Ministério Público Federal. A expectativa é que eles entrem com ações coletivas na Justiça contra as empresas. Uber e Rapiddo, que já foram acionados individualmente, podem ser as primeiros a sofrer os processos. “Queremos embasar ações civis coletivas para que haja uma unificação de decisões da Justiça”, afirma Carelli.

Efeito

Caso as ações aconteçam em larga escala, o caso deve prejudicar o crescimento da “economia do compartilhamento” no Brasil, segundo especialistas. Deverá haver também novas discussões em relação à responsabilidade das empresas em outros itens, como danos aos veículos ou custos de combustível. “Isso dificulta a ampliação de economia colaborativa, que possibilita às pessoas o trabalho autônomo”, diz Jorge Boucinhas, professor de direito trabalhista da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Em outros países, o Uber tem sofrido as consequências de processos semelhantes. Nos EUA, uma ação coletiva de 2016 exige do Uber um pagamento de US$ 850 milhões. O app ofereceu US$ 100 milhões para fazer um acordo, mas o valor foi negado. Na Suíça, o órgão que administra o seguro social decidiu, em 2016, que os motoristas são empregados do Uber para fins previdenciários. A França também exigiu que o Uber pague multa por falta de reconhecimento de impostos previdenciários – a empresa também recorreu. Hoje, a modalidade UberX, a mais popular do serviço, já não pode mais operar no país.

O relatório do MPT usa os mesmos argumentos. “As novas relações que vêm ocorrendo através das empresas de intermediação por aplicativos, apesar de peculiares, atraem a plena aplicabilidade das normas de proteção ao trabalho subordinado, autorizando o reconhecimento de vínculo empregatício entre os trabalhadores e as empresas intermediadoras”, dizem os procuradores. O Uber e os aplicativos de entregas Rapiddo e Loggi são citados várias vezes no documento, mas, segundo apurou o Estado, Cabify e 99 também estão no alvo do MPT.

Os procuradores lembram que há controle da jornada de trabalho dos profissionais e ilustram o argumento com o exemplo do Uber. “O trabalho dos motoristas é moldado pelo uso de práticas de vigilância pelo empregador”, diz o documento. “O aplicativo estimula motoristas a aceitarem todas as corridas e a permanecerem o maior tempo possível trabalhando.”
Reações. Procuradas, as empresas dizem discordar do entendimento dos procuradores. “Os motoristas são clientes, que pagam taxa para ter acesso ao serviço”, disse a 99, em nota.

O aplicativo de entregas Loggi informou que “já passou por dois procedimentos questionando seu modelo de negócio” e que a “conclusão foi pelo arquivamento, pela inexistência das violações”. A Rapiddo disse que “a relação com fornecedores de serviços está muito distante de uma típica relação de emprego”.

O Cabify afirmou que “não existe qualquer procedimento administrativo conclusivo do MPT em relação à Cabify” e que “os condutores cadastrados não são prepostos da empresa”. Também em nota, o Uber afirmou que já venceu dez processos na Justiça do Trabalho no País e está recorrendo em outros dois. A empresa destacou que não “contrata os motoristas, mas os motoristas que contratam o Uber” quando escolhem usar o aplicativo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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