DISPENSA COLETIVA E A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO PL 6.787/16

I – DISPENSA COLETIVA: CONCEITO E NEGOCIAÇÃO PRÉVIA

A Dispensa coletiva ou em massa é, conforme Orlando Gomes, a rescisão simultânea de uma pluralidade de contratos de trabalho calcada em motivo único e sem a substituição dos trabalhadores. De acordo com Flávia Ferreira Jacó de Menezes, a dispensa coletiva é aquela derivada de origem comum e que afeta sensivelmente a sociedade na qual se insere.

Não há, no ordenamento jurídico atual, vedação expressa à dispensa em massa . Todavia, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho entende que sua utilização sem prévia negociação coletiva ofende aos princípios constitucionais e próprios do Direito do Trabalho, além de diplomas internacionais ratificados pelo Brasil.

Nesse sentido, colaciona-se trecho de julgado da Seção de Dissídios Coletivos do TST:

(…) DISPENSA COLETIVA. NEGOCIAÇÃO COLETIVA. A despedida individual é regida pelo Direito Individual do Trabalho, que possibilita à empresa não motivar nem justificar o ato, bastando homologar a rescisão e pagar as verbas rescisórias. Todavia, quando se trata de despedida coletiva, que atinge um grande número de trabalhadores, devem ser observados os princípios e regras do Direito Coletivo do Trabalho, que seguem determinados procedimentos, tais como a negociação coletiva. Não é proibida a despedida coletiva, principalmente em casos em que não há mais condições de trabalho na empresa. No entanto, devem ser observados os princípios previstos na Constituição Federal, da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da função social da empresa, previstos nos artigos 1º, III e IV, e 170, caput e III, da CF; da democracia na relação trabalho capital e da negociação coletiva para solução dos conflitos coletivos, (arts. 7º, XXVI, 8º, III e VI, e 10 e 11 da CF), bem como as Convenções Internacionais da OIT, ratificadas pelo Brasil, nas Recomendações nos 98, 135 e 154, e, finalmente, o princípio do direito à informação, previsto na Recomendação nº 163, da OIT e no artigo 5º, XIV, da CF/88. A negociação coletiva entre as partes é essencial nestes casos, a fim de que a dispensa coletiva traga menos impacto social e atenda às necessidades dos trabalhadores, considerados hipossuficientes. (…) (Grifou-se)
TST – SDC – Proc. RO – 51548-68.2012.5.02.0000 – Relatora Ministra Kátia Magalhães Arruda. Publicação DEJT: 16/05/2014

A dispensa coletiva, diferentemente da individual (CLT, art. 477), não está sujeita apenas ao poder potestativo do empregador. Dentre as várias razões pelas quais a dispensa coletiva não pode ser equiparada à individual, inicia-se pela sua natureza, isto é, de fenômeno coletivo, que deve ser disciplinado por entes coletivos, em situação de equivalência jurídica.

Assim, inicialmente a dispensa coletiva atrai a negociação prévia junto ao sindicato profissional, visto que o art. 8o, III da CF/88 atribui ao mesmo a defesa dos DIREITOS e INTERESSES coletivos ou individuais da categoria.

Desta forma, a par da discussão em torno da denúncia pelo Brasil à Convenção 158 da OIT, é inafastável o dever de estimular e prestigiar a negociação coletiva. Tal postulado decorre da ratificação pelo Brasil da Convenção 154 da OIT, além de outros diplomas internacionais, que fomentam a liberdade sindical e a negociação coletiva.

Não se pode perder de vista que a dispensa em massa pode ser utilizada como represália patronal contra movimentos grevistas e contra a atuação sindical em determinado local. Pode ser utilizada também como meio de pressão política para redução de impostos ou mesmo para provocar a disputa entre estados/cidades com vistas a obter vantagens para a instalação de unidades produtivas (a doação de terrenos, por exemplo).

Não há, portanto, como negar o impacto social e econômico que a dispensa em massa pode gerar na sociedade. Isto se agrava nas pequenas cidades, nas quais, em muitos casos, grande parte de seus habitantes são empregados de uma única empresa, que pode ter recebido diversos incentivos (fiscais, dentre outros) para se instalar naquele município.

Sob este prisma, a dispensa coletiva encontra óbice nos arts. 1o, IV, 170, caput e 193 da Constituição Federal. De acordo com estes dispositivos o valor social do trabalho é fundamento de nosso Estado Democrático de Direito e da ordem econômica, bem como, base da ordem social.

O pacto republicano contido na Constituição Federal de 1988 fomenta a atividade empresária de várias formas, a exemplo da proteção conferida à livre iniciativa e propriedade (arts. 1o, IV, 5o, XXII, 170, caput, II). Ora, aquele que recebe o “bônus” também deve arcar com o “ônus”. Portanto, andou bem o Constituinte ao determinar, em contraponto, que a propriedade deve atender sua função social (arts. 5o, XXIII, 170, III).

Nesse quadrante, é importante ressaltar que a Carta Magna tem na dignidade da pessoa humana seu vetor axiológico e interpretativo (art. 1o, III), indispensável para se construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3o, I). A dispensa em massa deve, por conseguinte, ser analisada sob tais premissas.

A prévia negociação coletiva não impede a dispensa em massa, todavia, é capaz de equalizar os interesses do capital e do trabalho. Além disso, é meio eficaz para reduzir a onerosa judicialização das relações individuais envolvidas em uma dispensa coletiva.

II – O ART. 7o, I DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E SUA EFICÁCIA NEGATIVA

A Constituição Federal de 1988 é a norma máxima do ordenamento jurídico brasileiro e representa, ao mesmo tempo, o alicerce e o limite de todas as demais normas infraconstitucionais. Todavia, e tendo em vista que adotamos uma constituição dirigente e programática, nem todas as normas nela contidas estão aptas a produzir os efeitos sociais desejados.

Conforme célebre classificação do Professor José Afonso da Silva, inspirada no direito italiano, as normas constitucionais podem ser classificadas como de eficácia plena, contida ou limitada.

Em apertada síntese, as normas de eficácia plena são aptas para produzir efeitos diretos e imediatos, não comportando restrições pela legislação infraconstitucional. As normas de eficácia contida, conquanto também possuam aplicação direta e imediata, podem ter seu alcance restringido por lei infraconstitucional, ou mesmo por princípios e preceitos ético-jurídicos. As normas de eficácia limitada, por fim, são de aplicação indireta e mediata, pois sua aplicação depende de prévia regulamentação.

O art. 7o, I da Constituição Federal, é um exemplo de norma de eficácia limitada. Desta forma, os trabalhadores brasileiros somente estarão protegidos contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa após a edição de lei complementar, senão veja-se:

Art. 7o São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos. (Grifou-se)

Nada obstante, o referido dispositivo não deve ser interpretado como letra morta, pois é inconteste na doutrina e jurisprudência que todas as normas constitucionais possuem efeitos jurídicos.

Destarte, ainda que não produza efeitos concretos na vida social, o art. 7o, I, da Constituição tem o poder imediado de revogar todas as normas que com ele sejam incompatíveis. De igual forma, tem aptidão para impedir a edição de normas que contrariem seus princípios, consoante a denominada eficácia negativa, ou paralisante.

Isto posto, ainda que o inciso em comento esteja pendente de regulamentação, tem a força de impedir que o legislador infraconstitucional edite leis contrárias ao seu conteúdo programático. É dizer que a ordem jurídico-constitucional vigente não admite a edição de qualquer lei que elasteça as possibilidades de dispensa imotivada.

O texto constitucional é claro no sentido de que o interesse do constituinte é a manutenção do emprego e a continuidade do pacto laboral. Nesse sentido já decidiu o Supremo Tribunal Federal ao sepultar a celeuma anteriormente existente e declarar que a aposentadoria não é causa de extinção do contrato de trabalho, consoante trecho de decisão abaixo colacionada:

Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 3º da MP 1.596-14/1997, convertida na Lei 9.528/1997, que adicionou ao art. 453 da CLT um segundo parágrafo para extinguir o vínculo empregatício quando da concessão da aposentadoria espontânea. Procedência da ação. (…) Os valores sociais do trabalho constituem: a) fundamento da República Federativa do Brasil (inciso IV do art. 1º da CF); b) alicerce da Ordem Econômica, que tem por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, e, por um dos seus princípios, a busca do pleno emprego (art. 170, caput, VIII); c) base de toda a Ordem Social (art. 193). Esse arcabouço principiológico, densificado em regras como a do inciso I do art. 7º da Magna Carta e as do art. 10 do ADCT/1988, desvela um mandamento constitucional que perpassa toda relação de emprego, no sentido de sua desejada continuidade. A CF versa a aposentadoria como um benefício que se dá mediante o exercício regular de um direito. E o certo é que o regular exercício de um direito não é de colocar o seu titular numa situação jurídico-passiva de efeitos ainda mais drásticos do que aqueles que resultariam do cometimento de uma falta grave (sabido que, nesse caso, a ruptura do vínculo empregatício não opera automaticamente). O direito à aposentadoria previdenciária, uma vez objetivamente constituído, se dá no âmago de uma relação jurídica entre o segurado do Sistema Geral de Previdência e o INSS. Às expensas, portanto, de um sistema atuarial-financeiro que é gerido por esse Instituto mesmo, e não às custas desse ou daquele empregador. O Ordenamento Constitucional não autoriza o legislador ordinário a criar modalidade de rompimento automático do vínculo de emprego, em desfavor do trabalhador, na situação em que este apenas exercita o seu direito de aposentadoria espontânea, sem cometer deslize algum. A mera concessão da aposentadoria voluntária ao trabalhador não tem por efeito extinguir, instantânea e automaticamente, o seu vínculo de emprego. Inconstitucionalidade do § 2º do art. 453 da CLT, introduzido pela Lei 9.528/1997. (Grifou-se)
STF – ADI 1.721, Rel. Min. Ayres Britto, j. 11-10-2006, P, DJ de 29-6-2007. AI 756.861 ED, rel. min. Cármen Lúcia, j. 1º-2-2011, 1ª T, DJE de 4-3-2011

Ora, são princípios de hermenêutica constitucional a máxima efetividade e a força normativa da Constituição. Assim, o intérprete deve conferir à norma constitucional sentido que lhe garanta maior eficácia e aplicabilidade ao caso concreto, valorizando interpretações que possibilitem a atuação normativa da Constituição.

III – CONCLUSÃO: INCONSTITUCIONALIDADE DO NOVO ART. 477-A DA CLT CONSTANTE NO PROJETO DE LEI 6.787/16

Em 26/04/17, foi aprovada pela Câmara dos Deputados a subemenda substitutiva global ao Projeto de Lei 6.787/16, que, em descompasso com o entendimento da Corte Suprema, equipara a dispensa em massa à dispensa individual imotivada. Conforme o projeto aprovado a dispensa em massa passa a ser equiparada à dispensa individual imotivada, ou seja, constituirá direito potestativo do empregador.

O PL prevê a inclusão na CLT do art. 477-A, que, se aprovado pelo Senado e promulgado pela presidência, passará a ter a seguinte redação:

Art. 477-A. As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação. (Grifou-se)

Veja-se que o referido dispositivo não prevê qualquer limitação temporal, circunstancial ou material para a dispensa em massa. Não há vedação de sua efetivação no período que antecede a data-base da categoria, nem, tampouco, há necessidade de que haja qualquer razão técnica, econômica ou organizacional para tanto.

Não há ordem de preferência em relação aos empregados mais antigos na empresa, de maior idade ou com encargos familiares, a exemplo do que se vê no direito comparado. Igualmente, não há vedação de dispensa no bojo de uma negociação coletiva, durante a realização de greve ou para substituição de empregados grevistas.

O projeto em análise não contempla qualquer proibição de posterior admissão de empregados com salários inferiores e para as mesmas funções dos dispensados coletivamente. Também não há limitação quanto ao número de trabalhadores dispensados em relação ao quadro geral da empresa, mesmo que esta continue em funcionamento.

Ademais, de acordo com o projeto aprovado, não há necessidade de antecedente negociação coletiva, como prevê, por exemplo, a União Européia (Diretiva 75/129/CEE) e nem tampouco de simples aviso aos sindicatos, como previsto no Direito Italiano (Lei 223/91). Da mesma forma, não é necessária a prévia notificação a qualquer órgão público, como previsto na União Européia (Diretiva 75/129/CEE) e Alemanha (Lei Kündigungsschutz).

O projeto em questão não estabelece nenhuma contrapartida aos trabalhadores ou à sociedade afetada. Similarmente, não há previsão de compensação ou ressarcimento ao erário nos casos em que a instalação de unidades produtivas foi precedida de benefícios por parte do governo local.

É inegável que a autorização indiscriminada da dispensa coletiva injustificada constitui flagrante retrocesso social, vedado pelos arts. 3o e 7o da Constituição Federal, bem como, pelo art. 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos. Deveria prevalecer o Princípio da Proibição ao Retrocesso Social pregada por Canotilho, ou a cláusula cliquet desenvolvida pelo direito francês.

Ora, o art. 60, §4o, IV, da Constituição impede até mesmo a deliberação sobre emenda tendente a abolir direitos e garantias individuais. Tal disposição deve ser interpretada em consonância com o disposto no §2o do art. 5o da mesma Carta, segundo o qual “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”

Sobre este axioma e considerando que o trabalho é direito social previsto no art. 6o, da Constituição, também constituem direitos e garantias imutáveis os expressos em seu artigo 7o. À vista disso, se os direitos trabalhistas resguardados constitucionalmente não podem ser alterados por emenda constitucional, muito menos poderiam sofrer limitação através de simples lei ordinária, como é o PL 6.787/16.

Todavia, impende esclarecer que toda a fundamentação acima foi trazida tão somente como reforço argumentativo. Isto porque, não são necessários maiores esforços interpretativos para se concluir que o art. 7o, I da Constituição garante ao trabalhador a proteção contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa.

Assim, ainda que pendente de regulamentação (o que só poderia ser feito por Lei Complementar, frise-se), o dispositivo constitucional em apreço é suficientemente claro ao prestigiar o princípio da continuidade da relação de emprego. Possui, portanto, força normativa bastante para impedir a edição de qualquer lei que autorize ou contribua para a dispensa imotivada do trabalhador individualmente considerado, e, com muito mais razões, de toda uma coletividade de trabalhadores.

A mora legislativa quanto à regulamentação do art. 7o, I da Constituição não pode ser utilizada contra o destinatário de sua proteção de forma a possibilitar a edição de lei que contrarie seus princípios. Ademais, a própria Constituição municiou o cidadão com o mandado de injução, consoante art. 5o, LXXI, que foi recentemente regulamentado pela Lei 13.300/16, e que prevê, inclusive o mandado de injunção Coletivo. Seria no mínimo incoerente que a entidade sindical pudesse se valer do mandado de injunção para regulamentar o direito obstativo à dispensa injustificada, se ao legislador infraconstitucional fosse franqueado dispor de modo diametralmente oposto.

Conclui-se, portanto, que, dada à eficácia negativa e paralisante do art. 7o, I da Constituição Federal, o novo art. 477-A da CLT, proposto no PL 6.787/16 revela-se inconstitucional, pois viola frontalmente o conteúdo programático do dispositivo em comento e fere de morte o princípio da continuidade da relação de emprego. A proteção contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa é direito latente do trabalhador, porém imanente a toda e qualquer relação laboral.

Paola Barbosa de Melo
Advogada. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho

Referências bibliográficas

FELTRE, Andrezza Nazareth. Negociação coletiva como pressuposto para a dispensa em massa (Dissertação de Mestrado). Universidade Fumec. Belo Horizonte: 2012

PAULO, Vicente; ALEXANDRINHO, Marcelo. Direito Constitucional descomplicado. 14. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO: 2015.

TRIDA, Rafael Camardo. Eficácia das Normas Constitucionais. Disponível em

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